quinta-feira, dezembro 13, 2007

a árvore de natal

A chama da vela encobre o rosto carregado, a tristeza dilacera-lhe o peito; não sente as batidas do coração, um vazio estranho corroe-lhe por dentro; sente-se só.
Não tem forças para rasgar o pensamento e atirar para bem longe, como se nunca tivesse existido, como se afinal fosse tudo uma mentira, um pesadelo, uma brincadeira de mau gosto. Sente-se só.
Como queria ouvir uma voz amiga, num abraço sussurar-lhe «vai ficar tudo bem». Provavelmente é mentira mas, nessa hora é o que mais precisa. Sente os seus braços ao seu redor, sente o calor do seu corpo e a sua própria voz irrompe «vai tudo c...» sufoca, as lágrimas teimam em afagar-lhe o rosto até chegar ao coração. Sente-se só.
Era suposto hoje fazer a árvore de Natal, uma tradição na família desde que se lembra. Dia 6 de Dezembro faz-se a árvore de natal e dia 6 de Janeiro desmonta-se; tudo em família. Sente-se só.
As forças esvaziam-se do corpo, do pensamento, do bater do coração. Ir a arrecadação e trazer tudo para a árvore de natal? «para quê?»; é suposto o Natal ser magia; é suposto no Natal recebermos presentes e não más notícias, punhais para toda uma vida espetados profundamente no peito; «ser mãe é uma dádiva e eu não tenho direito a ela» «porquê?» Não há respostas e isso doi mais. Sente-se só.
Beija silenciosamente a chama da vela no segredo da noite. Sente-se só.
Pareciam badaladas do relógio na torre de um edificio antigo no meio da praça, eram insistentes acompanhadas por risos cumplices e schius mais fortes.
Apesar da vontade do corpo de se afundar no sofá, algo a fez levantar e dirigir-se para a porta onde os schius eram mais fortes e os risos e vozes desordenadas. Entraram de rompante e foram espalhando casacos e cachecois, e telemóveis e malas, pelo hall, pela sala e misturando palavras em frases imperceptiveis por falarem todos ao mesmo tempo.
Olhou-os ainda sentindo o peso do rosto enrolado pela dor.
- onde está? - perguntou uma
- onde está o quê? - a voz sumia-lhe.
- sabemos que está lá em cima na arrecadação, queremos é a chave da arrecadação- foi a vez de um outro dizer enquanto uma abria gavetas, fechava, e espereitava até que fez-se luz
- já sei, está .... - e uma foi-se encaminhando para a portinha da luz - aqui. Bute. E tu - apontou para um outro - toca a arranjar lugar aqui na sala.
E uma com o outro sairam fechando a porta com um estrondo e rindo e misturando palavras.
Outras e outros remexeram a sala, e um outro espreitou os cd's escolhendo uma música animada. Alguém abriu a janela, outro alguém puxou o sofá. E falavam e riam.
- a tua máquina? ah não respondas sei onde está.
Começaram os clics e as mini-filmagens amadoras e as gargalhadas misturaram-se na noite.
Foi descoberto o lugar proprício para a grande obra: no canto, onde se via toda a sala, e a janela, as estrelas, a noite.
Chegaram os dois da arrecadação com o mesmo estrondo com que foram trazendo caixas e sacos e...
E todos meteram mãos a obra: luzes, bolas vermelhas, douradas, bonecos, fitas... espalharam pela sala e hall.
Ela ganhando coragem miudinha pregou o pequeno bonequinho de boas festas no lado de fora da porta, com aprovação de todos «assim sim» «lindoooo»
A Arvore de Natal aos poucos foi-se compondo de cor, de luz, de Amizade, de Carinho, de Ternura, de AMOR. Sim, ela sorriu «ai está a verdadeira Magia de Natal».

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