segunda-feira, dezembro 31, 2007

as pegadas que deixo


Ao longo da fila de grãos de areia que acariciavam os pés descalços, senti-me levada por uma brisa calma. Não pensei, deixei-me ir. Ouvia o ritmo do mar dizendo palavras imperceptíveis mas meu coração compreendia-as. E vinham e iam, no mesmo compasso, em ondas diferentes. Tão diferentes como os grãos de areia que cobriam a praia. Para trás fui deixando as dúvidas, o cansaço, as lágrimas de tristeza. Para trás fui deixando a dor que consume e que aumenta a cada passo que dou. Para trás quero deixar os flashes de decepções, de desilusões, de angústias. Sei que mais virão mas estarei sempre mais forte para os acolher e ultrapassar (senão, para quê vivermos se não aprendermos nada?!)
A água salgada banha-me os pés nus, e sinto que percorre todo o meu corpo até chegar ao coração. Que saudades da minha terra, minha Luanda querida, o cheiro do mar da Ilha, dos côcos, da múcua nos imbondeiros, a terra molhada pela chuva de gotas quentes, as pitangas roubadas no quintal daquela D. 'Kuribota', o maboque, o funje da minha mãe e a moamba que só ela sabe fazer como nós gostamos; o cheiro do pirão no quintal da avó Salomé e o gostoso matete que vem do fogareiro e o cheiro dos panos dela, da sua pele, o seu sorriso; o cheiro da minha mãe quando nos embalava a noite de mansinho para não acordarmos; as brincadeiras no recreio com os colegas "miudas contra rapazes" - hum, onde já se viu basquete e futebol no mesmo jogo?!, era regra principal do jogo : as miudas - basquete e os rapazes - futebol, e todos eram felizes; os espectáculos de ballet/dança, o cheiro do palco um mix de pó, suor, luz, cores e risos; os exames escolares cheios de espectativa e incertezas mas no final sempre surpreendentes; as paixões, platónicas sempre; o primeiro beijo inesperado desiludido; o cheiro dos passeios em grupo, das músicas, das rodas, dos piqueniques, dos cinemas, das discotecas e festas no quintal lá de casa; dos tempos da faculdade, do primeiro dia de trabalho, o cheiro do primeiro vencimento; Que saudades da minha Luanda: a minha infância , a minha adolescência, a minha juventude...
Ondas rodeiam as minhas pégadas dispersas pela praia envolta num horizonte que me consome. Sinto-me ir e não olho para trás, para as pégadas que vou deixando. Para os sonhos que estão presos por fibras e ausência de algo tão importante como o que eu estou quase a deixar de ter. Oh se dependesse só de mim, o meu único sonho/projecto já estaria realizado... O que irá acontecer daqui para frente? Não sei... sigo o mar, sigo as ondas e elas provavelmente me dirão alguma coisa, um dia, num espaço qualquer de tempo. Apaziguo o meu coração para suavizar a dor e dou mais uns passos, a água está morna e algumas conchas partidas batem nos meus pés descalços. Continuo, sem olhar para trás, sigo em frente, para dentro do mar que me abraça num mergulho fantástico. Sorrio, esqueço-me das pegadas que deixo (?).
BOM 2008 para ti!